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segunda-feira, 25 de junho de 2012

Bad Medicine



Ontem tivemos a nossa primeira experiência com as Urgências neste país. Nada de grave, apenas uma lesão futebolística do Rui Costas cá de casa, mas o suficiente para nos termos de deslocar lá para resolver a situação.
Ora bem, as Urgências são iguais em todo o lado, pelo que me pareceu. Uma pessoa chega lá, dá conta do ocorrido à triagem e espera até que lhe chamem. Nada de especial.
Outra coisa que é em tudo semelhante, pelo que me recordo das minhas experiências nas Urgências em Portugal, é a concentração de gente um tanto ou quanto destrambelhada por metro quadrado da sala de espera. Em 1,5 hora que durou a nossa visita, tivemos 3 encontros de primeiro grau com três espécies a precisar de a) tratamento psiquiátrico ou b) um par de estalos.
Senão vejamos:

1. O primeiro contacto com gente tresloucada deu-se comigo enquanto esperava que o lesionado fizesse um raio x. Fiquei a conhecer o chamado "tresloucado-bully". É certo e sabido que as cadeiras das salas de espera dos hospitais não são das mais confortáveis do mundo. Principalmente para alguém cujo centro de gravidade está um pouco desviado, e cujo simples acto de estar sentada possa se tornar numa pequena tortura para as costas. Ora quando isto me acontece, a única forma de aliviar é sentar-me à "chinês" como se costuma dizer. Eu sei, e assumo a culpa, que não é bonito por os pés em cima das cadeiras. Eu sei. Mas posso puxar dos galões e dizer que estando grávida, é mesmo a única forma de me aliviar do mau estar causado por estar sentada em cadeiras pouco confortáveis? Posso? Eu até nem tenho usado a minha condição para usufruir de tratamento especial (ok, à excepção daquela poltrona insuflável no Rock in Rio!)...achei que me perdoariam a transgressão.
Ora estava eu entretida com o meu telemóvel à espera, provávelmente a ver quem andava a fazer o quê no Facebook ou coisa que o valha, quando oiço uns gritos: "Oi! Oi!" Para quem não está familiarizado com esta esta expressão em Inglês, o "Oi!" é uma forma de calão usada para chamar a atenção a alguém em género de desaprovação. E estava a ser dirigido a mim. Pelo segurança das Urgências. Do outro lado da sala. Não contente com esta forma de chamar à atenção muito pouco ortodoxa, o senhor ainda continuou num tom de voz como de quem repreende um adolescente que leva um chocolate sem pagar de um supermercado : "TIRA OS PÉS DE CIMA DA CADEIRA JÁ!".
A minha reacção foi de sair daquela posição de imediato, o que pareceu agradar ao bully do segurança que desapareceu para outra sala qualquer,  provavélmente muito orgulhoso de si mesmo por ter gritado a uma grávida. A reacção seguinte foi fazer beicinho e lutar contra uma lágrima teimosa. E antes que me comecem a julgar lembro que nesta altura do campeonato eu choro a ouvir o hino nacional nos jogos da selecção, ou por ver uma foto de gatos fofinhos, por isso acho que até me portei lindamente ao conter as lágrimas. Por mim, a última reacção foi fazer uma queixa formal. Azar do senhor segurança bully, já tinha avistado os papéis dos comentários enquanto tentava passar o tempo. Azar do senhor, eu gosto de escrever, especialmente quando me irritam ou causam beicinho. Azarinho mesmo do senhor segurança, eu tinha uma caneta na mala, e algum tempo em mãos.

2. O segundo espécie do "tresloucado-hooligan" foi testemunhado pelo J. enquanto esperava pelo seu raio x. Um senhor, com ambos os braços acabados de ligar devido ao que pensamos ser queimaduras, é informado que tem de ficar em observação durante a noite, e que já lhe estão a preparar um quarto. Preocupação do senhor: "Mas assim, onde é que eu vejo o futebol?!!!". É bom saber que certas pessoas têm as prioridades certas.

3. Por fim, o meu espécie favorito: o "tresloucado-idosa-amarga". Há sempre uma em todas as urgências. Acham sempre que a sua maleita é pior que a dos outros todos, e que deviam ter uma sala de espera só para elas, assim género "frequent flyer" das Urgências. Usam sempre as cadeiras do lado para os seus sacos e saquinhos, e ai de quem ousar pedir para se sentar ali, mesmo que seja o último banco de toda a sala de espera e que a pessoa em questão tenha acabado de perder um braço. Depois de a ver resmungar por isto e aquilo, topei-a logo mas não me indignei por aí além. Quando me cruzo com alguém assim fico sempre a pensar nas razões pelas quais levam uma pessoa a ficar assim tão amarga com a vida e com todos os seres vivos à face da terra. E tento não julgar, porque a vida às vezes é bastante cruel. Então esta situação já se passou mais para o fim da nossa visita às urgências. Enquanto o J. esperava os resultados do raio x, eu fui levantar dinheiro para o táxi para casa e comprar umas bolachinhas porque as nossas barrigas já estavam a dar horas. Voltei à sala de espera, e a senhora amarga, chamemos-lhe assim, tinha ocupado o meu lugar ao lado do J. Tudo ok, havia um ao lado dela e sentei-me lá, ao som de um resmungo (pelos vistos ela não gosta mesmo de companhia). Troquei umas poucas palavras com o João, mais resmungos. Passei-lhe um pacote de bolachas. Mais resmungos. O João devolveu-me o pacote das bolachas....e caíu o Carmo e a Trindade. Abateu-se o céu, abriu-se uma fenda no chão e de lá saiaram os mais horriveis monstros e demónios que possam imaginar. E resolver encarnar naquela senhora de feições franzinas e ar de quem está zangada com o Universo. "Quantas vezes mais é que vão continuar a fazer isso? Isso incomoda-me! Estou doente! Parem de passar coisas e falar um com o outro!".
Ora se uma das minhas reacções no primeiro caso foi fazer beicinho...neste caso foi primeiro de choque, depois de simpatia por aquela senhora, que verdade seja dita, deve ser um pouco solitária. Depois de lhe explicar que tinhamos fome, e que 95% das pessoas naquela sala de esperam sofriam de uma maleita de qualquer espécie (e depois de ouvir mais uns resmungos entre dentes da parte dela) resolvi ignorar e continuar a comer a minha Oreo sem me chatear muito. Pouco tempo depois ela foi chamada e podemos continuar a conversar - longe de mim querer perturbar a senhora ainda mais com a minha bolacha de chocolate e creme no meio. E foi nesta altura que reparei nos olhares de apoio e nos sorrisos de compreensão que algumas pessoas pessoas me deitavam. E pensei...espero não chegar à idade dela tão amarga com a vida. Espero que a minha memória me permita recordar este episódio, para me lembrar que não vale a pena stressar por uma bolacha.