Pages

segunda-feira, 23 de fevereiro de 2009

The Outcast Hero


Há uns tempos, enquanto esperava na fila do Starbucks (vá, podem acusar-me de capitalista à vontade, mas num dia de frio sabe muito bem beber um chai latte para aquecer o corpo e a alma), vi pelo canto do olho, um pequeno cartaz que anunciava a peça ''Aristides: The Outcast Hero''. Uma peça sobre Aristides de Sousa Mendes, anunciada num Starbucks no meio de Londres parece algo surreal mas foi mesmo isso que eu vi. Até porque sai da fila para ver melhor, tal era a minha incredulidade. E era mesmo, confirmou-se, os meus fieis olhos não me estavam a enganar.

Sábado à noite lá fomos até Greenwich, até ao Galleon Theatre, para assistirmos a tão nobre peça. O teatro é um dos muitos pubs-teatro existentes em Londres, sendo o pub no rés-do-chão e o teatro no primeiro andar. Dirigimo-nos à bilheteira para levantar os bilhetes e um senhor com voz colocada deu-nos as boas vindas e informou-nos que a peça começaria dentro de meia hora, e que estávamos à vontade para levar bebidas conosco. Olhei maravilhada, as paredes que exibiam cartazes e fotos de peças anteriores, entre as quais se incluiam Inês de Castro e a Morgadinha dos Canaviais.

Depois de jantarmos no pub, (fish and chips e sausages and mash acompanhadas por pints e coca colas), lá nos juntamos às restantes pessoas que esperavam a abertura das portas. Quando finalmente começámos a entrar, subimos as escadas até ao teatro propriamente dito. Uma sala, de paredes negras. Um espaco no meio, com as cadeiras destinadas aos espectadores em volta, de forma a formar uma moldura (de apenas 3 partes). No centro, uma secretaria antiga, algumas cadeiras também antigas, um globo. Em cima da mesa, papelada e material típico de escritório nos anos 30. Na parede uma fotografia emoldurada de Salazar. Na secretária, já o actor encarnava o papel de Aristides Sousa Mendes, assinando e carimbado a papelada própria que qualquer cônsul assinaria. Num dos cantos da sala, entre as cadeiras destinadas ao espectadores, outra personagem estava sentada numa mesa, com ar preocupado e a enrolar os dedos nas mãos nervosas. Preocupada e nervosa porque era esse o seu papel, a sua personagem. Esta personagem revelar-se-ia a narradora da peça, e uma das dezenas de milhares de refugiados que Aristides salvou no ínicio da Segunda Guerra Mundial. A peça foi uma surpresa, o facto de não haver palco tornou tudo muito mais intimista, e no meu ponto de vista, melhor. A actuação também, bastante profissional (salvo os sotaques ao pronunciar os nomes portugueses, e em especial palavras como 'penucha' e 'serra da estrela', mas penso que não se pode apontar o dedo a isso).

No geral, fiquei bastante contente com tudo. Especialmente por ver reconhecida, ainda que em lingua inglesa, algum merito a Aristides de Sousa Mendes, arruinado pelo governo de Salazar, morrendo na pobreza por ter desobedecido a ordens do regime e conceder vistos a 30.000 pessoas perseguidas pelos nazis. A pessoa que, sózinha, mais gente salvou do holocausto. Mais tarde, irónicamente, Salazar reclamou para si os louros deste feito. É por estas (e por muitas outras) que fico com os cabelos em pé quando ouço alguém dizer que ''no tempo do Salazar é que isto era bom'' ou quando me lembro de Salazar ter sido eleito o maior português de todos os tempos, à frente de personalidades como Afonso Henriques e...Aristides Sousa Mendes.